segunda-feira, 14 de abril de 2014

THOMAS PIKETTY



A minha leitura do “Le Capital au XXIe Siècle” (Capital in the 21st Centuary) de Thomas Piketty prossegue em ritmo mais lento do que o desejaria, mas sobretudo com a curiosidade de me confrontar diariamente com a espantosa repercussão que a obra tem suscitado nos EUA. Creio que, desde os tempos de economistas franceses como François Perroux ou Edmond Malinvaud, nenhum outro investigador escrevendo originalmente em francês teve na academia americana a repercussão de Piketty. Pode dizer-se que o trabalho conjunto realizado com Tony Atkinson (para o Reino Unido) e Emmanuel Saez (nos EUA) podem explicar a criação de uma antecâmara favorável à recetividade do livro. Mas em meu entender é a atualidade incontornável do tema da desigualdade nos EUA que explica esta avidez e sobretudo a enorme recetividade e fonte de dinâmica de debate que a obra está a suscitar.
À medida que mergulho quase nas 1.000 páginas de Piketty revejo-me nas orientações que marcaram os meus primeiros anos de imersão na teoria económica não afastando o tema da distribuição do centro do económico, primeiro nunca dissociando a produção da distribuição e depois colocando os temas da distribuição e da desigualdade no coração da teoria normativa do desenvolvimento, em torno da qual ainda sonhei que poderia ter uma carreira académica fecunda, o que não foi o caso. E para meu entusiasmo um bom par de anos depois, Piketty trabalha números e evidências empíricas históricas (canónicas para os economistas como estatísticas) mas também outras fontes documentais (não canónicas e até proscritas pelo mainstream económico) colocando-se num interface muito promissor entre a história e a economia. Estou em crer que a obra de Piketty estará no tempo longo ao nível do trabalho insano de Simon Kuznets sobre os temas da desigualdade, repondo agora com uma informação bem mais consistente, a relação entre crescimento e igualdade transformando-a na relação entre crescimento e desigualdade. Outro aspeto bem relevante é a sua tentativa de análise combinada de stocks (distribuição da riqueza e do património) e de fluxos (rendimento).
Das leituras críticas mais interessantes, Bradford DeLong dedica-lhe um exercício empírico quantitativo de análise das relações entre o crescimento da desigualdade e a estagnação secular lançada para debate por Larry Summers em novembro de 2013, em conferência do FMI. A via utilizada é a da comparação entre o comportamento da taxa real de juro r e da taxa de crescimento económico g, com a particularidade de DeLong desenvolver vários conceitos alternativos de taxa real de juro.
Mas até o Nobel Robert Schiller lhe dedica uma análise crítica.
E para mais começa a emergir investigação empírica sólida que evidencia que a propensão ao consumo dos que menos têm é significativamente mais elevada do que a dos que têm mais, pelo que, é só preciso fazer contas, um processo redistributivo dos segundos para os primeiros, tenderia a impulsionar significativamente o consumo, a procura e a criação de emprego. É o que Atif Mian e Amir Sufi no sempre estimulante House of Debt explicam citando investigação recente de Japelli e Pistaferri sobre a propensão a consumir de dinheiro adicional.
Mas Krugman na sua análise crítica da obra de Piketty para a New York Review ofBooks põe o dedo na ferida quando sublinha que a colocação da distribuição no coração do fenómeno económico encontrará sempre a oposição dos que como Robert Lucas Jr. afirmava em 2014 que: “Of the tendencies that are harmful to sound economics, the most seductive, and in my opinion the most poisonous, is to focus on questions of distribution” (Das tendências mais nefastas para uma ciência económica sólida, a mais sedutora e em minha opinião a mais venenosa é o foco nas questões da distribuição).
Pois, eles lá sabem porquê!

1 comentário:

  1. É um texto económico, mas com profundas implicações políticas. Neste caso, a implicação é a de que a democracia está em risco com a concentração do capital, e que esta tendência não é facilmente reversível, pelo que ou a democracia se reforma para proteger os interesses da maioria, ou acaba mal.

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